Durante quatro dias consecutivos a equipe médica do Hospital Regional Josefa Alves Godeiro, de João Câmara, deparou-se com um intruso que se passava por médico nos corredores da unidade da rede pública estadual. Da última sexta-feira (16) até a segunda-feira (19), o homem até aquele momento não identificado comparecia ao hospital vestido todo de branco. Frequentava a enfermaria, o pronto-socorro, até comia nas dependências do hospital. O problema é que ninguém do quadro de funcionários o conhecia.
Na noite da última segunda-feira, o mistério foi solucionado: tratava-se de um doente esquizofrênico que, devido à falta de segurança na unidade médica da cidade, conseguiu entrar nas dependências da unidade de saúde sem problemas. Um dos que tomaram a decisão de falar com o homem e descobrir sua identidade foi o médico Diego Torquato.
Depois de uma conversa com o desconhecido, o doutor descobriu que ele era era aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e tinha 62 anos. “Ele estava tendo um surto e acreditava que era realmente um médico”, conta Torquato.
Antônio – ele será identificado assim na matéria – chegou a dizer que estava a serviço da Prefeitura de João Câmara. Depois mudou a versão, dizendo que seria um contratado da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap), versões checadas e desmentidas por Torquato e outros médicos da unidade. O invasor chegou a passar um número de registro no Conselho Regional de Medicina do RN (Cremern). “O registro médico tem no máximo quatro dígitos e ele deu um número bem maior. Aí a gente realmente constatou que era um falso médico”, relata Diego Torquato.
Após ser confrontado com as inverdades, o senhor de idade desistiu de sua fantasia. Pediu desculpas e deu seu telefone celular, que continha o contato de um irmão. Antônio é de Natal, sofre de esquizofrenia e inclusive esteve internado no Hospital Colônia Dr. João Machado, na capital, especializado no tratamento de pacientes com problemas psiquiátricos.
A polícia chegou a ser chamada, mas foi feito um acordo. Se o falso médico não fosse resgatado por algum familiar, ele seria levado pelos policiais, já que havia cometido um crime: passar-se por médico sem registro profissional. No dia seguinte, na terça-feira, um irmão do idoso foi buscá-lo e assinou um termo de compromisso, responsabilizando-se pelo doente psiquiátrico. Os dois voltaram para Natal.
Em nenhum momento o homem apresentou comportamento agressivo no período em que esteve no hospital, diz Diego Torquato. Durante basicamente todo o fim de semana, Antônio ficou praticamente sozinho na enfermaria, já que os médicos plantonistas do período estavam ocupados. Entretanto, ele não parece ter mexido em prontuários de pacientes e não atendeu ninguém.
Em contato com o NOVO, alguns funcionários reclamaram da falta de segurança no local. Um clínico que preferiu não se identificar afirmou que a administração da unidade, em vez de chamar a polícia, contatar a Sesap ou o Cremern para pedir auxílio, pediu para que os próprios funcionários vigiassem o intruso até que ele fosse embora. “É um absurdo termos que vigiar alguém desconhecido enquanto estamos no nosso local de trabalho”, reclamou o médico por telefone.
Ele disse que o hospital está sem segurança há cerca de quatro meses e que, atualmente, quem quiser entra na unidade sem precisar se identificar.
Cremern
O Cremern foi acionado pelos médicos do Hospital Regional de João Câmara para auxiliar nos procedimentos a serem tomados no caso do falso médico da unidade. Em contato com a reportagem por meio de sua assessoria de imprensa, o órgão afirmou que apenas orientou os solicitantes para que chamassem a polícia e registrassem um boletim de ocorrência.
Contudo, a situação foi resolvida verbalmente e um termo de compromisso foi assinado pelo irmão do doente, que se responsabilizou pelo familiar. Assim, nenhum processo foi ou será aberto pelo Cremern. A direção do hospital, segundo o Conselho, foi contatada e teria reconhecido o erro de não ter tratado a situação como devia.
Sesap ainda não determinou sindicância
Em nota enviada ao NOVO, na tarde de ontem, a Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) afirmou que estava ciente da ocorrência no Hospital Regional de João Câmara, mas que ainda não sabia se iria abrir uma sindicância.
“O problema foi relatado informalmente para a Sesap, que aguarda o comunicado oficial da diretoria da unidade de saúde para encaminhá-lo à Coordenadoria de Hospitais [Cohur]”, informou a pasta.
De posse do relatório, a Cohur irá comunicar oficialmente ao secretário George Antunes, que é a autoridade responsável por autorizar a abertura de sindicâncias.
Enquanto os funcionários do hospital disseram que eles fizeram toda a “investigação” e entraram em contato com a família do homem, a Sesap informou que a direção da unidade é que, após ficar ciente do problema, verificou a existência do “falso médico”. “Ao descobrir a fraude, de imediato comunicou à família que, por sua vez, atestou problemas de sanidade mental e o encaminhou ao atendimento psiquiátrico”, informou a pasta.
Em sua nota, a Sesap ainda esclareceu que os serviços de vigilância nos hospitais do interior do estado já estão praticamente “normalizados”. Segundo a pasta, para a segurança armada entrar em operação falta apenas a Polícia Federal efetivar a liberação do porte de armas junto à empresa contratada.