Reportagem especial da TV Globo revelou um esquema montado com funcionários da prefeitura para fazer plantão na porta dos hospitais municipais do Rio, para atrapalhar reportagens e impedir que a população falasse e denunciasse problemas na área da Saúde.
A Justiça Eleitoral determinou a cassação do mandato do deputado federal Marcelo Crivella (Republicanos) e a aplicação de multa de R$ 433 mil. A decisão é da juíza Márcia Santos Capanema de Souza. A defesa de Crivella recorreu.
O ex-prefeito do Rio é acusado de montar esquema, em 2020, para impedir reportagens sobre a saúde no Rio — o caso ficou conhecido como "Guardiões do Crivella".
A magistrada também determinou que o ex-prefeito fique inelegível nos oito anos subsequentes à eleição municipal de 2020.
A decisão, datada de 8 de maio, é resultado de ação ajuizada pela coligação "É a vez do povo!" (PT e PCdoB), feita em 2020. Na ação, o bispo é acusado de "prática de abuso de poder de autoridade e conduta vedada a agente público em campanhas eleitorais, com base na Constituição".
A coligação afirmou que Crivella montou um esquema para "monitorar e impedir a interlocução de cidadãos com profissionais de imprensa" com o intuito de barrar informações sobre o sistema de Saúde do Rio em período eleitoral.
Para isso, usou servidores públicos municipais, que ficaram conhecidos como "Guardiões do Crivella". A acusação identificou os servidores, em desvio de função, utilizados pelo ex-prefeito do Rio.
Na sentença, a magistrada disse que a decisão tinha "caráter pedagógico-preventivo" e também demonstrava o repúdio à "conduta moral e ilegal perpetrada".
Procurada, a defesa do ex-prefeito disse que a sentença que cassou o mandato de deputado federal de Marcelo Crivella não tem efeito imediato, e que já recorreu de decisão. Disse ainda que não pode prestar mais informações porque o processo segue sob sigilo.
Por sua vez, a assessoria do ex-prefeito disse que "não cabe a uma juíza eleitoral de primeira instância cassar o mandato de um deputado federal".
O RJ2 revelou em agosto de 2020 um esquema montado com funcionários da prefeitura para fazer plantão na porta dos hospitais municipais do Rio, atrapalhar reportagens e impedir que a população fale e denuncie problemas na área da Saúde.
A organização tinha escalas diárias, horários rígidos e ameaças de demissão.
Resumo
A reportagem mostrou que: por grupos de Whatsapp, funcionários da prefeitura eram distribuídos por unidades de saúde municipais e faziam uma espécie de plantão; em duplas, eles tentavam atrapalhar reportagens com denúncias sobre a situação da saúde pública e intimidavam cidadãos para que não falem mal da prefeitura;
O RJ teve acesso ao conteúdo dos grupos e viu que, após serem escalados, eles postavam selfies para dizer que chegaram às unidades; um dos funcionários aparecia em várias fotos ao lado de Crivella e tinha salário de mais de R$ 10 mil; quando conseguiam atrapalhar reportagens, eles comemoravam nos grupos; à época a prefeitura não negou a criação dos grupos e disse que fazia isso para "melhor informar a população".
Entre os participantes de um dos grupos, um telefone chamava a atenção. O número aparecia registrado como sendo do próprio prefeito, Marcelo Crivella. O Jornal Nacional apurou que o então prefeito já usou esse número. A equipe de reportagem ligou, mas ninguém atendeu.
“O prefeito, ele acompanha no grupo os relatórios e tem vezes que ele escreve lá: ‘Parabéns! Isso aí!’”, contou à TV Globo, à época, um dos participantes dos grupos.
O advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, diz que a competência para cassar um deputado federal é do Tribunal Regional Eleitoral, e não da 1ª instância.
"Essa é uma ação que tramitou em relação à eleição de 2020, quando ele era candidato à reeleição. Então, essa decisão poderia ter cassado o mandato se ele tivesse sido reeleito, mas ele não foi. E poderia, como fez, reconhecer que ele está inelegível por oito anos, mas para as eleições subsequentes."
Segundo o advogado, essa inelegibilidade só teria interferido na eleição de 2022 se tivesse vindo antes e já tivesse sido confirmada em segunda instância.
"A competência para cassar um deputado federal é do Tribunal Regional Eleitoral, por ato que ele tenha praticado na campanha de 2022. Então, definitivamente a juíza não tinha como cassar o mandato de Crivella. Poderia ter declarado a inelegibilidade, mas essa inelegibilidade vale daqui pra frente."