O Morro do Careca, símbolo de Natal, corre o risco de ser descaracterizado e perder sua identidade, caso não seja realizada a engorda da praia de Ponta Negra. É o que afirmam especialistas consultados pela TRIBUNA. O principal cartão-postal da capital potiguar sofre um contínuo processo de erosão que, aos poucos, vai substituindo a areia fina pelo aspecto rochoso de uma falésia. Nesta quinta, um vídeo com imagens da areia caindo do Morro repercutiu nas redes sociais. Segundo especialistas consultados pela TRIBUNA, o vídeo mostra um dos sintomas da erosão do Morro.
De acordo com o doutor em Geografia e coordenador da pós-graduação em Geografia da UFRN, Rodrigo de Freitas, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, a falta de ações para conter a erosão coloca o Morro do Careca em sério risco. “Olha, se nada for feito, essa falésia terá recuado ainda mais, vamos ver o material muito mais antigo (rochas) e a altura do Morro do Careca terá diminuído. Mas, se a vegetação começar a avançando ainda mais, teremos uma perda da característica da careca, porque o Morro do Careca é uma pareidolia, a comparação da feição com alguém que tenha pouco cabelo, alguém calvo”, explicou.
Segundo o geógrafo, embora o desaparecimento do Morro do Careca não seja iminente, estima-se que leve aproximadamente uma década para que isso ocorra, caso não sejam tomadas medidas adequadas, como por exemplo, a obra de engorda. O aspecto mais preocupante é a possibilidade de perder as características distintivas que tornam o morro tão reconhecível. Cada vez que essas características únicas são perdidas, ocorre uma descaracterização que afeta a identidade do morro. Assim como acontece com outros monumentos naturais, o Morro do Careca desempenha um papel simbólico para Natal, representando uma parte essencial de sua identidade e herança cultural.
“Aqui tem duas medidas (que podem ser tomadas), a primeira dela é tentar conter a erosão da base do morro e, isso não pode ser feito com obra de engenharia, porque se criar um paredão de concreto vai descaracterizar a parte paisagística, né? E, aí se for feita a engorda, as ondas não atingiriam mais a base do Morro do Careca. Então, já é um primeiro passo”.
E prosseguiu: “Agora, o que a gente tem chamado atenção é que é necessário ir além e começar um estudo, uma pesquisa para quantificar o sedimento que chega no Morro do Careca e ver se é suficiente para manter a feição. É igual um doente, você precisa fazer um conjunto de exames para entender e ver a dosagem correta do remédio”, concluiu.
De acordo com o professor, o Morro do Careca está passando por mudanças significativas em sua aparência. Anteriormente, a abertura característica do topo era maior, porque tinha mais areia, porém agora, “a vegetação está tendendo a fechar por causa que tem menos areia chegando, tendo mais erosão e está saindo mais areia, ou seja, tanto está chegando menos, como está saindo mais areia, isso vai fazendo com que ele se estabilize e a vegetação avance e vai fechando (tomando conta do Morro do Careca)”, disse.
Segundo Rodrigo de Freitas, “se nada for feito, a falésia tende a recuar, porque a água está erodindo a base dela, as ondas estão 'solapando' a base e vai removendo pouco a pouco. E como ela vai removendo, vai avançando, como por exemplo, as reentrâncias erosionais, onde tem fraturas, falhas, um ponto de menor resistência é mais acelerado o processo erosivo”, ressaltou.
De acordo com o geógrafo, a erosão do Morro do Careca tem exposto paredões de falésias que estão gradualmente emergindo. “Isso é uma falésia, é uma escarpa bruta e costeira. Aqui no caso, a formação de barreiras está aflorando, que é essa rocha que está ali em baixo. Essa rocha é mais resistente, por isso, que ela forma a escarpa, formando um ângulo de 90º graus. Quando você tem um material que é friável, ou seja, que está desagregado, como é o caso da duna, ele não consegue formar o ângulo de 90º graus. Então, são dois materiais aqui, um é essa rocha que está embaixo, que é a formação de barreira e o depósito eólico, que é a areia da duna que está em cima”.
Segundo o professor, há uma clara diminuição da faixa de areia do Morro do Careca ao longo dos anos. Comparando os dados de 2016 a 2023, constatou-se a remoção de mais de 320 metros quadrados de areia devido à ação da erosão. Além disso, em termos de altura, verificou-se que na frente e na parte de trás do morro, a altura diminuiu para cerca de 2,30 metros e 2,70 metros, respectivamente. Essa diminuição é mais notável na frente do morro, pois a parte montante, de onde o sedimento é trazido pelo vento, leva mais tempo para diminuir. Esses dados revelam a erosão contínua que afeta a faixa de areia do Morro do Careca, comprometendo sua estabilidade e alterando sua aparência característica.
Frequentadores
O processo erosivo avançado no Morro do Careca, representa um perigo para os banhistas devido ao desprendimento de blocos de areia na falésia. Essa preocupação é confirmada por um relatório da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal (Semurb). A professora Celeste de Almeida, 47 anos, visita Natal pela primeira vez. Ela expressou preocupação com o estado do Morro do Careca se encontra.
“É uma pena e preocupante, né? Porque os turistas também correm risco, a gente viu na reportagem que estava descendo pedras, acho preocupante e acredito que (as autoridades) devem tomar uma atitude, até para que nós possamos prestigiar melhor a cidade”, disse.
Via TN