Nesta quinta-feira (13/10), a senadora eleita pelo Distrito Federal neste ano, Damares Alves, deu mais uma versão do caso envolvendo exploração sexual e tráfico de crianças na Ilha de Marajó, no Pará. A ex-ministra afirmou que, na verdade, a denúncia foi originada de conversas que ela tem “com o povo na rua”.
Inicialmente a futura senadora garantiu, em vídeo divulgado nas redes sociais pelo filho do presidente Jair Bolsonaro (PL), o senador Flávio Bolsonaro, que tem conhecimento de crianças de 3 e 4 anos que seriam abusadas sexualmente e teriam os dentes arrancados para praticar sexo oral, além de se alimentarem somente de comida pastosa para deixar o intestino livre para o sexo anal.
No discurso, Damares ainda enfatizou ter imagens que comprovariam os crimes sexuais. “Eu vou contar uma coisa para você que agora eu posso falar. Nós temos imagens de crianças nossas brasileiras com 4 anos, 3 anos, que quando cruzam as fronteiras sequestradas, os seus dentinhos são arrancados para elas não morderem na hora do sexo oral. Essa é a nação que a gente ainda tem, irmãos”, declarou para os fiéis no culto.
Entretanto, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, nesta quinta-feira, a ex-ministra disse que não pode falar de dados “sigilosos” e negou que tenha afirmado possuir esse conteúdo. “As imagens que eu falo são dos estupros de recém-nascidos. As imagens de crianças dopadas também foram encaminhadas pela ouvidoria”, disse, se referindo a outro caso citado durante o culto.
A ex-ministra dos Direitos Humanos, Mulher Família também não soube dar explicações claras à Folha de S. Paulo sobre as denúncias encaminhadas ao Ministério Público e citou três CPIs antigas que, supostamente, investigaram esse caso da Ilha de Marajó. Uma CPI de 2010, outra de 2013 e outra realizada pelo Ministério Público do Pará. Mas essas comissões não mostraram casos como os que Damares citou durante a cerimônia evangélica.
“As denúncias que chegam na ouvidoria eu não tenho acesso porque são dados sigilosos. Por lei, eu não posso ter acesso aos dados da ouvidoria, mas tudo que a ouvidoria coletou a ouvidoria encaminhou”, garantiu Damares. Ela ressaltou que as denúncias foram encaminhadas “para o Ministério Público, para a polícia, para os órgãos competentes. Os conselhos tutelares também recebem as denúncias”.
Ministério Público e Polícia cobram governo por provas
Contradizendo as afirmações de Damares, o Ministério Público do Pará e a Polícia Civil requisitaram ao governo federal provas dos relatos da ex-ministra. O ofício foi endereçado à atual chefe do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Cristiana Britto.
"Solicitando que encaminhe a este órgão documentação existente naquele ministério, conforme afirmado pela então ministra em seu pronunciamento, a fim de que os relatos sejam investigados e todas as providências cabíveis possam ser adotadas", diz trecho do documento.
O delegado-geral da Polícia Civil do Pará, Walter Resende de Almeida, também encaminhou um pedido à pasta pedindo "com máxima urgência" os documentos, mídias e "tudo o mais que possa subsidiar o desenvolvimento dos necessários procedimentos investigatórios".
O Ministério Público Federal (MPF) foi outro que solicitou explicações. Damares chegou a fornecer ao órgão três relatórios para comprovar a veracidade da sua denúncia, mas as 2.093 páginas dos documentos não mostram nada que prova a veracidade das alegações feitas dentro da igreja evangélica. A análise dos documentos foi feita pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Além disso, a CPI realizada pelo Ministério Público do Pará, citada pela ex-ministra, investigou casos de exploração sexual de crianças e adolescentes em todo o estado. Foram averiguados cerca de 100 mil casos entre 2005 e 2009 e, em nenhum deles, as circunstâncias eram como as declaradas por Damares. O ex-deputado federal Arnaldo Jordy, que foi relator da comissão em questão, garantiu que em nenhum momento houve registro de crianças que tiveram os dentes arrancados ou que foram submetidas a restrições alimentares para servir a um objetivo sexual.
"O problema da exploração sexual [na região] é antigo, e ela não conhece isso melhor que nós. O que ela alegou nós nunca ouvimos falar. Não precisamos da Damares espetacularizando uma situação que já é monstruosa. Agrava uma situação que, na prática, já é grave demais", afirmou Jordy à Folha de S. Paulo.