Insatisfação com um salário médio de R$ 28 mil, episódios de abuso de autoridade e acúmulo de penduricalhos ajudam a explicar por que especialistas afirmam que muitos juízes não se consideram servidores, mas uma classe à parte no setor público.
No Judiciário federal, por exemplo, magistrados ganham, em média, até sete vezes mais do que os demais funcionários. A remuneração dos servidores vai de R$ 4.124, salário inicial de auxiliares jurídicos, a R$ 19,8 mil, valor mais alto para analistas.
Já entre os juízes, a média salarial é de R$ 28 mil, segundo dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de setembro.
Mesmo recebendo valores maiores, magistrados estão mais insatisfeitos com a remuneração. Para aproximadamente 74%, o salário que recebem não condiz com o trabalho. Entre os servidores, a taxa é de 46%.
O descontentamento é maior entre os que atuam na Justiça do Trabalho. Ainda segundo a pesquisa do CNJ, 47,2% dos magistrados brasileiros discordaram da afirmação de que o volume de trabalho permite concluir as tarefas durante a jornada regular de trabalho.
Os dados são do censo do CNJ divulgado neste ano. As respostas foram coletadas por formulário eletrônico. Participaram 63,2 mil servidores e 6.100 magistrados.
Em nota, a Associação dos Magistrados Brasileiros diz que a categoria enfrenta desvalorização e, por isso, mais juízes deixam a carreira em busca de melhores condições no mercado privado.
Segundo a entidade, a falta de correção dos subsídios afeta a qualidade de vida dos magistrados e o acesso à Justiça só vai ser garantido com investimentos na prestação jurisdicional.
"Juízes não se veem como servidores, mas como uma categoria especial que enseja prerrogativas próprias, para além daquelas dos funcionários públicos", afirma Vitor Rhein Schirato, professor da Faculdade de Direito da USP.
Diferentemente dos outros servidores, magistrados têm direito a duas férias por ano. Muitos também recebem valores consideráveis em benefícios, incluindo auxílios-moradia e adicionais por acúmulo de função, que são acrescidos à remuneração. Em setembro, 226 juízes federais receberam acima do teto constitucional (R$ 41.650,92).
Casos como o protagonizado pela juíza Kismara Brustolin, da Vara de Trabalho de Xanxerê, em Santa Catarina, escancaram a maneira como os magistrados veem a própria autoridade. No fim de novembro, Brustolin gritou com uma testemunha, exigindo ser chamada de "excelência'’. O CNJ apura a conduta da juíza, que pediu afastamento por motivos de saúde.
Mesmo a perda de cargo e penalidades é diferente entre magistrados e servidores. Isso porque profissionais públicos e membros de Poder, como juízes e promotores, são regidos por artigos distintos da Constituição, segundo Wallace Corbo, professor de direito constitucional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
A estabilidade, por exemplo, é dada a servidores após três anos de estágio probatório. Para magistrados, é dada a vitaliciedade depois de dois anos.
Por essa diferença, um juiz ou um desembargador só deixa o cargo por ação judicial, enquanto o servidor pode ser exonerado por processo administrativo interno. No geral, a penalidade máxima dada aos magistrados é a aposentadoria compulsória, em que eles continuam recebendo salário.
Com informações da Folha de São Paulo