No ultimo dia 20/05/2024 o excelentíssimo juiz da comarca de João Câmara Dr. Gustavo Henrique Silveira Silva julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público que trata de desvio de função de professores, desde 2004 o Município de João Câmara mantém profissionais da educação no exercício de atribuições pertinentes a cargos públicos diversos, sem a devida realização de concurso público, contrariando assim o artigo 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. os quais existem candidatos aprovados no Concurso Público – Edital nº 001/2019. Dessa forma, ficou demonstrado nos autos que o Município vem mantendo professores em desacordo com os preceitos legais.
Nesse contexto, é importante destacar que, embora os profissionais em desvio de função pertençam ao quadro de servidores do magistério municipal, ocupando o cargo de Professor de Educação Infantil/Pedagogo, as funções desempenhadas por eles correspondem ao cargo de Professor de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Matemática, configurando uma forma de provimento derivado, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
O desvio de função ocorre quando o servidor público exerce atribuições diferentes daquelas previstas para o cargo para o qual foi legalmente investido.
Entenda o caso👇
O MP alega que o Município de João Câmara vem, desde 2004, realizando contratações temporárias para funções de natureza permanente, especificamente professores do ensino fundamental, sem a devida realização de concurso público, contrariando assim o artigo 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.
O Município sustenta que tais contratações são essenciais para a manutenção dos serviços públicos e que são amparadas pela excepcionalidade prevista constitucionalmente. Defende ainda que as práticas estão consolidadas pelo tempo e que a proibição dessas contratações temporárias levaria ao desemprego e prejudicaria a prestação dos serviços educacionais no município.
O MP apresentou réplica no ID 111289161.
Intimados sobre a produção de outras provas, o MP requereu o julgamento antecipado da lide, enquanto o Município não se manifestou.
É o relatório. Decido.
Verifica-se que não há preliminares que impeçam o julgamento do mérito, e que a matéria discutida é exclusivamente de direito, estando os fatos devidamente comprovados nos autos, principalmente através do Inquérito Civil anexado à inicial.
A demanda trata de desvio de função, em que o Município de João Câmara mantém profissionais da educação no exercício de atribuições pertinentes a cargos públicos diversos, os quais existem candidatos aprovados no Concurso Público – Edital nº 001/2019, com validade ainda em vigor.
A presente Ação Civil Pública objetiva a cessação de práticas administrativas que configuram desvio de função de professores e contratações temporárias em desconformidade com os preceitos constitucionais e legais que regem a Administração Pública.
O MP alega que o Município de João Câmara vem, desde 2004, realizando contratações temporárias para funções de natureza permanente, especificamente professores do ensino fundamental, sem a devida realização de concurso público, contrariando assim o artigo 37, incisos II e IX, da Constituição Federal.
O Município sustenta que tais contratações são essenciais para a manutenção dos serviços públicos e que são amparadas pela excepcionalidade prevista constitucionalmente. Defende ainda que as práticas estão consolidadas pelo tempo e que a proibição dessas contratações temporárias levaria ao desemprego e prejudicaria a prestação dos serviços educacionais no município.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso II, estipula que a investidura em cargo ou emprego público ocorrerá mediante aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. O inciso IX do mesmo artigo permite a contratação temporária de pessoal, que deve ser justificada pela necessidade temporária de excepcional interesse público.
A investidura em cargos ou empregos públicos, conforme dispõe a Constituição Federal, depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego na forma prevista em lei, nos termos do inciso II do art. 37 da Constituição Federal.
Na realização do concurso público, está a Administração Pública adstrita aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo, portanto, o edital ou regulamento do concurso observar tais princípios.
Dessa forma, o concurso público é dotado de lisura e enseja a possibilidade de ingresso, em igualdade de condições, de todos que pretendam e tenham a necessária qualificação para compor os quadros da administração pública.
Para atender ao disposto na lei, os gestores devem buscar suprir as demandas com o pessoal que já integre seu quadro próprio, desde que não configure desvio de função e realizar a nomeação, em caráter efetivo, de candidatos que tenham obtido regular aprovação em concurso público vigente, para cargos públicos vagos, criados por lei, pertencentes à área da educação.
Apesar do Município sustentar que os servidores estão na situação há mais de 10 anos, devendo haver a convalidação do ato administrativo, observa-se ausentes os requisitos da convalidação, quais sejam: defeitos sanáveis e não acarretar lesão ao interesse público ou prejuízo a terceiros, nos termos do art. 55 da Lei Federal 9.784.
Assim, pode ocorrer a anulação do ato administrativo a qualquer tempo, caso haja ofensa flagrante à Constituição Federal (Info 613, 624 e 741 do STF), não se submetendo, assim, a prazo decadencial.
Dessa forma, restou demonstrado nos autos que o Município demandado vem mantendo professores em desacordo com os preceitos legais.
No Inquérito Civil nº 04.23.2013.0000103/2021-81 restou apurado o descumprimento de acordo firmado na ação civil pública nº 0100081-74.2018.8.20.0104, decorrente de suposta contratação ilegal de servidores temporários e estagiários pelo Município recorrente preterindo, em tese, os candidatos aprovados para o provimento de diversos cargos públicos, incluindo-se, aqui, os referentes aos profissionais da educação (educação infantil e professores dos níveis fundamental I e II).
O Município, através do Ofício nº 35/2022, de 24 de janeiro de 2022, demonstra que a edilidade reconheceu a ilegalidade, mas a mantém por força de que sua invalidação traga um prejuízo maior (ID 16254752).
Portanto, de acordo com a decisão colacionada, o Poder Judiciário não pode legitimar situações que violem abertamente a Constituição. Tais situações não podem e não devem ser validadas pelo possível reconhecimento da prescrição ou decadência, sob o risco de flagrante desrespeito às Normas Constitucionais pertinentes. Aplicável ao caso a Súmula Vinculante nº 43 do STF, senão vejamos:
"SÚMULA VINCULANTE Nº 43 STF: É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido."
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também é clara ao considerar inconstitucionais as contratações temporárias que visam atender a necessidades permanentes, configurando uma burla ao princípio do concurso público.
Em regra, é vedado ao Poder Judiciário adentrar na discricionariedade dos atos administrativos, cabendo-lhe unicamente examiná-los sob o aspecto de legalidade e moralidade. Todavia, diante de patente omissão da Administração, é permitido ao Judiciário impor-lhe o cumprimento de disposições constitucionais que garanta a moralidade na prestação do serviço público.
Não constitui ingerência indevida a atuação do Judiciário quando impõe ao Executivo o cumprimento de obrigação constitucional e legal, relativamente à qual se posta omisso o Administrador.
No caso em exame, resta patente que a demandada vem desconsiderando há um longo período a exigência constitucional de prévio concurso público para provimento de cargos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo, na forma prevista em lei, bem como a vedação ao desvio de função.
O desvio de função ocorre quando o servidor público exerce atribuições diferentes daquelas previstas para o cargo para o qual foi legalmente investido.
No caso em tela, verifica-se que a demandada (prefeitura), tem mantido, sem qualquer característica de temporariedade ou excepcionalidade, servidores em desvio de função (graduados em pedagogia lecionando em áreas de formação específica), preterindo os candidatos aprovados no último certame público (edital nº 01/2019).
Nesse contexto, é importante destacar que, embora os profissionais em desvio de função pertençam ao quadro de servidores do magistério municipal, ocupando o cargo de Professor de Educação Infantil/Pedagogo, as funções desempenhadas por eles correspondem ao cargo de Professor de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Matemática, configurando uma forma de provimento derivado, o que é vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A doutrina administrativa brasileira, amplamente representada por autores como Maria Sylvia Zanella Di Pietro, considera o desvio de função como uma das formas de utilização inadequada do servidor público, que deve ser prontamente corrigida pela Administração, sob pena de responsabilização.
As contratações temporárias efetuadas pelo Município de João Câmara não demonstraram, nos autos, a caracterização de excepcional interesse público que justificasse a não realização de concurso público, conforme preconizado por jurisprudências firmadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), os quais têm reiteradamente decidido que a regra é o concurso público, e a contratação temporária é uma exceção que deve ser cercada de rigorosa motivação e justificativa.
Conforme precedentes do STF e do STJ, a Administração Pública não pode perpetuar situações de ilegalidade, mesmo que tais situações perdurem por longo tempo. A Suprema Corte tem afirmado que a segurança jurídica e o interesse social não podem ser invocados para convalidar atos que afrontem a lei e a Constituição (STF, ADPF 45).
A omissão/ilegalidade é inquestionável, sendo certo que a situação demanda urgência na resolução, contudo, para que não prejudique o funcionamento do ensino educacional em andamento, entendo plausível o término do ano escolar, para que haja a materialização das providências administrativas cabíveis pela municipalidade.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público para declarar a nulidade dos atos que importaram designação de professores de educação infantil, pedagogos ou de níveis iniciais (1ª a 5ª séries) e/ou quaisquer servidores da administração pública municipal para os cargos de professor de Ensino Fundamental II, bem como que se abstenha de designar professores de educação infantil ou de níveis iniciais e/ou quaisquer servidores da administração pública municipal para os cargos de professor de Ensino Fundamental II.
Sem custas e honorários.
No caso de serem opostos embargos, intime-se a parte contrária para manifestação no prazo de 5 (cinco) dias, nos termos do § 2º, do art. 1.023, do CPC, vindo os autos conclusos em seguida.
Havendo apelação, nos termos do § 1º, do art. 1.010, do CPC, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, adotando-se igual providência em relação ao apelado no caso de interposição de apelação adesiva (§ 2º, art. 1.010, do CPC), remetendo-se os autos ao E. TJRN, independente de juízo de admissibilidade (§ 3º, art. 1.010, do CPC).
Sobrevindo o trânsito em julgado sem manifestação da parte interessada, determino o arquivamento dos autos, sem prejuízo de posterior desarquivamento mediante requerimento, ficando a Secretaria autorizada a assim proceder, independente de conclusão dos autos, devendo impulsionar o feito por Ato Ordinatório.
Publique-se.
Registre-se.
Intime-se.
JOÃO CÂMARA/RN
Assinado eletronicamente por: GUSTAVO HENRIQUE SILVEIRA SILVA Juiz(a) de Direito - 20/05/2024 22:39:40